Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Vivem pros seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
Quando amadas se perfumam
Se banham com leite, se arrumam
Suas melenas
Quando fustigadas não choram
Se ajoelham, pedem imploram
Mais duras penas, cadenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Sofrem pros seus maridos
Poder e força de Atenas
Quando eles embarcam soldados
Elas tecem longos bordados
Mil quarentenas
E quando eles voltam, sedentos
Querem arrancar, violentos
Carícias plenas, obscenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Despem-se pros maridos
Bravos guerreiros de Atenas
Quando eles se entopem de vinho
Costumam buscar um carinho
De outras falenas
Mas no fim da noite, aos pedaços
Quase sempre voltam pros braços
De suas pequenas, Helenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Geram pros seus maridos
Os novos filhos de Atenas
Elas não têm gosto ou vontade
Nem defeito, nem qualidade
Têm medo apenas
Não tem sonhos, só tem presságios
O seu homem, mares, naufrágios
Lindas sirenas, morenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Temem por seus maridos
Heróis e amantes de Atenas
As jovens viúvas marcadas
E as gestantes abandonadas, não fazem cenas
Vestem-se de negro, se encolhem
Se conformam e se recolhem
As suas novenas
Serenas
Mirem-se no exemplo
Daquelas mulheres de Atenas
Secam por seus maridos
Orgulho e raça de Atenas
Esta música, de 1976, me deixa intrigada. Feministas de plantão, não entenderam muito bem a mensagem do Chico. Não é porque o considero um grande poeta, que o defendo. Sou feminista, mas discurso mal colocado tem limite. O compositor na realidade escreveu a canção em parceria com o dramaturgo Augusto Boal, o idealizador do Teatro do Oprimido, para a peça "Lisa, a mulher libertadora", do próprio Boal. O texto era uma adaptação de "Lisístrata", de Aristófanes, grande representante da comédia grega antiga. A peça retratava uma rebelião de mulheres atenienses, que, sob a liderança da personagem-título, resolvem fazer greve de sexo, para forçar seus maridos a acabarem com a Guerra do Peloponeso. Ou seja, o Chico fez uma música feminista, para uma peça feminista.
Mulheres de Atenas faz referências à sociedade do período clássico da Grécia e também a alguns episódios da Mitologia grega. O trecho “Mas no fim da noite, aos pedaços/ Quase sempre voltam pros braços/ De suas pequenas/ Helenas”, por exemplo, remete à Helena, esposa do rei Menelau. A história conta que ela foi raptada pelo príncipe de Tróia, cidade rival à Esparta. O ato foi o estopim da famosa Guerra de Tróia, promovida pelos gregos para resgatar a rainha seqüestrada e destruir os rivais.
Então, chega de polêmica e acusações feitas à época de seu lançamento, de que sua letra seria uma ode à submissão feminina. O próprio Chico Buarque desmente esta intenção: “Eu disse: mirem-se no exemplo daquelas mulheres que vocês vão ver no que vai dar.”